Qual o papel das marcas no apoio ao esporte feminino?
Lideranças de algumas das marcas mais associadas ao esporte refletem sobre como contribuir para mais equidade de gênero no esporte
Qual o papel das marcas no apoio ao esporte feminino?
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Lidia Capitani
9 de setembro de 2024 - 18h36
As Olimpíadas de 2024 foram marcadas pelas conquistas de gênero. A edição foi a primeira da história a prever a igualdade entre mulheres e homens no número total de atletas, projeção muito divulgada pelos organizadores do evento antes do início dos jogos. No entanto, após uma análise posterior na lista de atletas, a conclusão foi que os homens ainda seriam maioria. Mesmo assim, foi a edição mais próxima da igualdade de todos os Jogos Olímpicos: as mulheres representaram 45,9% da delegação brasileira.
Ao olhar para os pódios por gênero, elas se igualaram mesmo com menos atletas. Segundo balanço final do Comitê Olímpico do Brasil (COB), foram 13 ouros, 12 pratas e 18 bronzes para as mulheres, um total de 43 medalhas. O número é o mesmo do masculino, e as outras três medalhas foram de equipes mistas. Mas, por que ainda não alcançamos a equidade em quantidade e qualidade?
Para entender onde estamos, vale resgatar o tema ao longo da história. A competição começou em 1896, mas foi apenas em 1900, em Paris, que uma mulher pôde competir, a suíça Hélène de Pourtalès, atleta de vela. A segunda vez que a cidade francesa foi palco dos jogos foi em 1924, quando a parcela feminina era de 135 atletas contra 2.954 homens. Nos últimos cem anos, a presença das mulheres cresceu mais de 40 vezes até chegar mais perto da igualdade em 2024.
Este atraso de mais de um século tem diferentes raízes. Uma delas é a proibição da prática esportiva pelas mulheres. Até 1979, elas eram proibidas de jogar futebol no Brasil. Além disso, existiam (e ainda existem) estigmas sobre os corpos femininos, de não serem apropriados para o esporte e serem alvo de assédio, por exemplo.
“Por muito tempo, mulheres e meninas evitaram o esporte por medo de serem assediadas ou julgadas pelo corpo. Se você é gordinha, preta ou gay, o impacto era ainda maior. Esses fatores desmotivaram muitas mulheres a iniciarem ou continuarem no esporte”, reflete Luiza Maggessi, COO da NWB, produtora de conteúdo especializada em esportes.
Outro fator é a falta de valorização das modalidades femininas. Hoje, entretanto, os clubes e competições de futebol, por exemplo, são obrigadas a ter times e campeonatos femininos. “No entanto, demorou 100 anos para isso acontecer, e ainda há muitos outros esportes que não alcançaram esse nível de igualdade”, aponta Luiza.
As marcas têm desempenhado um papel crucial na evolução do esporte olímpico, especialmente no que tange ao apoio financeiro e promocional. Numa pesquisa do Datafolha, as marcas mais citadas pelos brasileiros nas Olimpíadas foram a Coca-Cola (57%), patrocinadora do Comitê Olímpico Internacional (COI) e dos Jogos de Paris, seguida da Vivo (40%), patrocinadora do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Samsung (40%), patrocinadora do COI, Havaianas (34%), patrocinadora do COB, e Visa (27%). Entre as associações espontâneas, outras marcas como Nike e Adidas também foram mencionadas.
Para Luiza Maggessi, as marcas têm um papel crucial para o avanço do esporte no Brasil, principalmente o feminino. Elas podem fornecer recursos, criar novas oportunidades para atletas e democratizar a prática de esportes, promovendo inclusão para grupos sub-representados, como as mulheres e pessoas com deficiência.
Além disso, as marcas também têm o poder de criar novas narrativas positivas. “Ao destacar a trajetória e as conquistas de atletas femininas em suas campanhas, por exemplo, as marcas ajudam a quebrar estereótipos e a promover a equidade de gênero no esporte. Isso não só eleva o perfil das atletas, mas também incentiva mais mulheres e meninas a se engajarem na prática esportiva, criando um ciclo virtuoso de empoderamento e inclusão”, afirma Maria Fernanda Albuquerque, VP global de marketing da Havaianas.
A Vivo, por exemplo, criou algumas campanhas que seguiam esse mote de contar as histórias dos atletas olímpicos para a edição dos jogos deste ano. “Ouro é inspirar novos tempos” e “Imagina a Cena” trouxeram embaixadores da marca e atletas como Ítalo Ferreira, Gabriel Medina, Rayssa Leal, Vini Jr, Alison dos Santos, Ana Marcela Cunha e Rafaela Silva para narrarem suas próprias histórias com apoio da inteligência artificial para recriar esses momentos.
Outro exemplo da Vivo foi a campanha realizada no Dia Internacional da Mulher deste ano. “Dentro do nosso projeto em apoio ao Time Brasil, lançamos a campanha #JáEraTempo, celebrando e conscientizando as pessoas da importância da previsão da conquista da equidade de gênero no número de atletas competindo nos jogos de Paris”, destaca Marina Daineze, diretora de marca e comunicação da Vivo.
No primeiro trimestre deste ano, o investimento publicitário em conteúdo esportivo na TV e no digital no Brasil cresceu 37% em comparação com o ano passado, chegando a R$ 735 milhões, segundo a Kantar Ibope. Ainda de acordo com a mesma pesquisa, 76% dos brasileiros se relaciona com esporte, seja praticando ou assistindo no último ano.
Durante as transmissões dos jogos, pelo menos 27 atletas dobraram seu alcance digital, e outros multiplicaram por dez ou mais seu volume de seguidores. A judoca Beatriz Souza, por exemplo, iniciou a edição deste ano com 14,5 mil seguidores em suas redes e ganhou mais de 3 milhões novos (+23.000%).
Outros exemplos de destaque são as medalhistas de vôlei de praia, Duda Lisboa e Ana Patrícia, que aumentaram em 410% e 910% sua base de seguidores, respectivamente. Rebeca Andrade, a maior medalhista brasileira da história, também aumentou em 207% seu número de seguidores, de acordo com a Kantar Ibope.
Apesar do grande investimento que os anos olímpicos trazem para o esporte, Luiza Maggessi ressalta a importância das marcas irem além da data e promoverem um apoio contínuo e prolongado, principalmente para o esporte feminino. “Os esportes masculinos sempre tiveram muito mais apoio, principalmente o futebol, que recebe investimentos de maneira consistente ao longo de todo o calendário”, reforça.
A democratização das transmissões esportivas foi uma virada de chave, principalmente para o futebol, em que as empresas perceberam como o investimento em conteúdo durante as transmissões trazia um retorno significativo. “Isso acontece no esporte masculino, onde o apoio nunca parou, e até se intensificou com essa democratização. No entanto, o mesmo não ocorre com os esportes femininos. Embora algumas atletas tenham patrocínio recorrente, é muito difícil que elas alcancem o mesmo nível de premiação e investimento que os homens recebem”, avalia Maggessi.
Existem diferentes maneiras com as quais as marcas podem apoiar o esporte olímpico e paralímpico. Seja oferecendo produtos, equipamentos, cuidados com a saúde, ou até patrocinando a participação dos atletas em competições. Uma prática comum é as marcas terem seus times de embaixadores.
A Visa, por exemplo, tem um longo histórico de quatro décadas como patrocinadora das Olimpíadas. Desde 2002, tornou-se a primeira parceira global do Comitê Paralímpico Internacional. A marca também tem seu time de atletas embaixadores, o “Team Visa”, que tem número igual de homens e mulheres e inclui atletas paralímpicos.
“Mundialmente, já apoiamos cerca de 600 atletas olímpicos e paralímpicos, e para esta edição foram 136, sempre seguindo o princípio de equidade. Na América Latina, apoiamos 24 atletas, divididos igualmente entre homens e mulheres, de 14 países. São 17 atletas olímpicos e 7 paralímpicos, que compõem o maior e mais diverso grupo da nossa região até o momento”, afirma Carla Mita, vice-presidente de marketing da Visa do Brasil.
Alinhado a essa estratégia, é importante notar como alguns atletas também viraram criadores de conteúdo em suas redes sociais. “Eles geram cada vez mais mídia para as marcas, além de trazer visibilidade para o esporte e criar uma conexão genuína entre a marca e aquele universo esportivo”, pontua Luiza.
A Havaianas aproveitou esse potencial de mídia com seu time de embaixadores para essas Olimpíadas. “Reunimos squads de atletas que incluem mulheres de destaque como Rebeca Andrade (ginástica) e Dora Varella (skate), e atletas paralímpicas como Edênia Garcia (natação), Esthefany Rodrigues (natação) e Raíssa Machado (arremesso de dardos). Elas não apenas protagonizam campanhas publicitárias, mas também criaram conteúdos que celebram suas jornadas e conquistas”, complementa a VP global de marketing da marca.
Outra via de apoio, ressalta Maggessi, é o patrocínio de competições. A própria Visa é um exemplo, pois são parceiros globais da Fifa há quase 15 anos, o que inclui a Copa do Mundo Feminina desde 2007. “Os investimentos globais da Visa no futebol feminino incluem parcerias com as Competições de Futebol Feminino da União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), com o futebol feminino da Fifa, e o patrocínio à seleção feminina de futebol dos Estados Unidos e à Federação mexicana de Futebol, além de outras”, adiciona Carla.
O social commerce é outra maneira com que as marcas podem se associar ao esporte por meio de seus produtos. A Adidas é um exemplo de como explorar o potencial de seus produtos para promover o esporte feminino. “Somos uma das poucas marcas que têm chuteiras desenhadas especialmente para o pé feminino. Muitas atletas de futebol comentam que as chuteiras masculinas não se ajustam da mesma forma que as projetadas para mulheres”, destaca Giovanna Aranha, brand communications manager da Adidas.
A Havaianas fez uma ação similar, desenvolvendo sandálias em parceria com o Comitê Paralímpico do Brasil. “O novo produto, incluído no nosso portfólio permanente no Brasil, terá parte das vendas destinada ao Comitê Paralímpico, oferecendo suporte contínuo para o desenvolvimento dos atletas”, explica Maria Fernanda Albuquerque.
As Olimpíadas de 2024 se tornaram um exemplo de conquistas de gênero, mas também demonstraram o potencial do esporte feminino. “A quantidade de medalhas conquistadas por mulheres foi muito alta”, destaca Maggessi. “Isso tudo deixou um legado enorme para o esporte, especialmente o feminino, mostrando que podemos ir ainda mais longe se houver o investimento certo”, complementa.
“O que falta, na minha opinião, é dar o peso adequado para essas modalidades. Quando falamos de esportes em geral, já existe uma disparidade entre masculino e feminino. E, quando falamos de esporte paralímpico, aí o abismo é ainda maior”, reflete Luiza.
O investimento reverbera na reputação das marcas. “Para a Visa, o patrocínio permite destacar nossos atributos principais, como segurança, tecnologia e inovação. Mas também nos preocupamos em ser uma marca inclusiva, apoiando tanto o esporte masculino quanto o feminino”, aponta Carla Mita. “A estratégia de promover ambos os eventos (Olimpíadas e Paralimpíadas) têm mostrado resultados positivos e o reconhecimento está crescendo, refletindo a qualidade dos atletas que nos representam nas Paralimpíadas”, acrescenta.
Da mesma maneira, a Havaianas busca reforçar suas características por meio do apoio ao esporte. A marca é patrocinadora tanto do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) quanto do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). “A Havaianas celebra o Brasil, sua diversidade e a brasilidade ao redor de todo o mundo. Momentos como esses dão visibilidade global para esse espírito de brasilidade, a ginga e a leveza do nosso povo. Estar presente nessas conversas fortalece ainda mais a conexão emocional da marca com os brasileiros e encanta novos públicos internacionalmente”, ressalta a VP global.
A Vivo é outra marca com uma relação longa de duas décadas de patrocínio ao COB. No esporte feminino, a marca usa de seu espaço para denunciar as desigualdades entre os gêneros. “A Vivo apoia e fomenta o esporte feminino desde 2005, por meio do patrocínio à seleção feminina de futebol. Em 2021, durante os jogos de Tóquio, realizamos o projeto 4%, convidando a sociedade a refletir sobre a pouca visibilidade das modalidades e do esporte feminino nos meios de comunicação e redes sociais”, afirma Mariana Daineze.
Assim, também é papel das marcas reforçar o compromisso com a equidade de gênero em diferentes âmbitos, incluindo o esporte. Seja promovendo e apoiando as atletas, contando suas histórias ou apontando as desigualdades existentes. “Na Adidas, falamos muito sobre inclusão e sobre democratizar o esporte, independentemente de gênero. Sabemos que há uma diferença significativa no investimento e na visibilidade entre o esporte masculino e o feminino, desde o número de espectadores até os campeonatos. O papel das marcas hoje é corrigir esse descompasso e oferecer mais visibilidade e oportunidades para as atletas femininas”, afirma Giovanna Aranha.
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